domingo, 13 de junho de 2010

JANEIRO E O ABSURDO

Em novembro, uma data marca particularmente aqueles que fazem Literatura. É que em 7 de novembro de 1913 nascia às duas horas da manhã, o segundo filho de Cathérine Sintès.

O nascimento de Albert Camus foi registrado na Prefeitura de Mondovi, no dia seguinte às dez horas da manhã, pelo pai, Lucien Auguste Camus, que disse ter vinte e oito anos de idade e “cavista” de profissão. Sua mulher, de trinta e um anos foi declarada “doméstica”. O lugar de nascimento foi dado como a Fazenda Saint-Paul, que ficava a oito quilómetros de Mondovi, na região de Bône. Bône , hoje se chama Annaba, e era o principal porto da Argélia francesa, perto da fronteira com a Tunísia.

Retrocedendo um pouco no tempo, vejamos um pouco das origens deste escritor franco-argelino. Qualquer biográfo verá que o nome Camus é bastante comum em algumas regiões da França. Porém, a linha familiar, por parte do pai, que deu origem ao escritor é originária de Bordeaux, no sudoeste da França. Já pelo lado materno, sua origens são espanholas, e vamos então encontrar os Sintès, os Cardona, e outros, e que servirão mais tarde para nomear alguns dos personagens do escritor Albert Camus.

Os pais e avós de Albert Camus eram analfabetos, e isto pode ser comprovado através de documentos como a certidão de casamento de Lucien e de Cathérine que nunca foram assinados. Vale ressaltar que a mãe de Camus jamais aprendeu a escrever. Segundo documentos militares, o pai havia aprendido os rudimentos de leitura e de escrita no orfanato.

Nos fins do século passado, os franceses descobriram que as vinhas se davam muito bem na África do Norte. Havia uma mão de obra mais barata e o clima favorecia a um vinho bem mais forte. Alguns franceses, negociantes de vinhos começaram a se instalar então com plantações e/ou apenas comprando barato aos colonizados e revendendo caro na França. É neste clima de negócios com vinhos que o pai de Camus, Lucien Auguste Camus é enviado pela firma, Ricôme & Filhos, para trabalhar como representante junto aos fabricantes de vinhos e para também supervisionar o carregamento dos navios.

Foi neste ambiente agrícola que Lucien e Catherine Camus se encontraram. Casaram-se em 1909, nasceu Lucien, o primeiro filho em 1910 e Albert, o segundo em 1913.

Albert Camus sempre foi um escritor muito polêmico, daí o interesse que suscita naqueles que procuram desvendar o mistério da existência.Rejeitado pela direita, rejeitado pela esquerda, proibido durante anos pelos colégios católicos da França, Camus continua hoje como um dos autores mais lidos e editados do seu país. Não é também gratuitamente que hoje estudiosos, universitários ou não, de todo o mundo, ainda dedicam estudos e teses sobre a obra e o homem.

Albert Camus é um dos representantes de uma geração de escritores oriundos de um dos períodos mais turbulentos da História da Civilização, que é a fase entre as duas grandes guerras.

Para Camus a preocupação principal foi a de reencontrar o homem em sua dimensão primitiva. Sua obra traduz o seu humanismo existencial que não tem nada a ver, como ele próprio afirmou, com a filosofia existencialista. O humanismo camusiano também não tem nada com o espiritualismo, nem com o materialismo, mas sim com o intuito de desvendar mistérios da trajetória da existência do homem.

No prefácio de L`Envers et L`Endroit, que segundo o próprio Camus é a fonte constante de toda a sua obra, há a afirmativa “...eu fui colocado entre a miséria e o sol . A miséria me impediu de acreditar que tudo está bem sob o sol e na história; o sol me ensinou que a história não é tudo. Mudar a vida , sim, mas não o mundo que eu fazia minha divindade”.

Para Camus nada se interpõe entre o homem e o mundo. Nem dinheiro, nem religião, nem ideologia. A liberdade pressupõe a felicidade. Daí surgem Mersault e Meursault e tantos outros personagens tão “estranhos”.

Não sei se seria conveniente começar aqui dizendo que L`Étranger é o seu melhor livro. Creio que o melhor de Camus é toda a sua obra. L`Étranger materializa a teoria do absurdo que tão bem foi explicada em Le Mythe de Sisyphe. O principal é entender que o homem sempre foi um enigma diante do universo. Assim foi e assim será.

L’Étranger é uma obra absurda, cujo personagem principal, Meursault percorre as etapas que norteiam o Mythe de Sisyphe. L`Étranger apareceu antes de Le Mythe de Sisyphe, porém ele é uma ilustração desta obra. A vida de Meursault não tem sentido, eis aí o tema central do romance. Ela se desenrola mecanicamente. Não tem objetivo. Comer, dormir, beber. Tudo rotina. Nada o comove. “Para mim tanto faz” repetia Meursault.

O próprio Camus explicou que o Mythe de Sisyphe é provisório. Neste livro Camus colocou a questão do suicídio em relação ao sentido da vida. Porém Camus nega que o suicídio seja a solução para o não sentido da mesma. A noção do absurdo nasce de forma inesperada. “Ao dobrar uma rua”. O absurdo é consequência da visão do mecânico. “levantar, bonde, quatro horas de escritório ou de fábrica, refeição, bonde, quatro horas de trabalho, refeição, sono e segunda-feira, terça-feira, quarta-feira, quinta-feira, sexta-feira e sábado com o mesmo ritmo, este caminho se segue livremente a maior parte do tempo”. Segundo Camus o absurdo nasce deste confronto entre a consciência e o silêncio que o mundo encerra. O absurdo consiste em uma profunda crise existencial, cuja manifestação pode ocorrer em qualquer lugar e a qualquer momento. O homem sente a sua presença, mas não o explica. O absurdo surge de forma muito pessoal e diante deste sentimento apenas uma certeza é matemática, a da morte. Dela o homem não pode fugir. Embora dela ele não tenha experiência, mas ele tem a certeza de sua existência. Então é quando ele conclui que a vida é vã e inútil. E se ela é desnecessária a solução seria o suicídio.

O mundo não é absurdo, mas sim este divórcio entre ele e o homem. Como o absurdo nasce da consciência, não tem lógica o suicídio. Se o homem absurdo se suicida, ele deixa de sê-lo, pois com a sua morte acaba o desencontro homem-mundo. É preciso viver para manter vivo o sentimento do absurdo. Daí, o herói absurdo mergulha na esperança, que embora não seja uma resposta ao conflito com o mundo, faz com que ele viva sem desesperar. Entretanto a esperança não resolve o problema do homem absurdo porque seu percurso é breve. Ela é uma solução indefinida, e que priva a consciência de sua apreensão. Assim como o suicídio, ela não resolve o problema do homem absurdo. Camus propõe então a solução da revolta. O homem absurdo tem que ser consciente e despertar para sua condição. O homem revoltado mostra o homem confrontado com a sua obscuridade. A revolta é dirigida em direção ao absurdo. É uma forma de lançar a consciência contra ele. O homem revoltado contra sua condição de absurdo é um homem lúcido e corajoso.

O pensamento de Camus está preocupado com o dualismo que a vida nos apresenta em todas as suas formas, nos trazendo diante do contraditório para que procuremos respostas diante de questões temáticas como a vida e a morte, o amor e o ódio, a indiferença e a solidariedade, a miséria e a justiça, e dentre outras mais. A obra de Camus mostra a preocupação do escritor com o relacionamento homem-mundo.

Muito difícil é rotular Camus. Filósofo, romancista, dramaturgo, jormalista, diretor e ator de teatro, poeta, humanista, moralista,...enfim um homem que viveu com seu tempo, que testemunhou, que lutou e que morreu vítima do ABSURDO (um brutal acidente de automóvel), em 04 de JANEIRO de 1960.

Ensaio de Lucilo Varejão Neto

Nenhum comentário:

Postar um comentário