domingo, 13 de junho de 2010

MEU PRIMEIRO MILHÃO

A história que vou começar a contar começou em um lugar muito distante do que estou agora. Para ser mais preciso, no bairro da caixa d’água no subúrbio de Salvador. O ponto de partida para tudo foi a morte de meus país. Morreram afogados na Praia de Itapuã. Era um dia no meio da semana com a praia deserta, só tiveram como testemunha de seus tristes fins, o farol. Isso mesmo, a mesma praia da música de Vinicius de Morais. Quando aconteceu estava eu com 14 anos. Ao saber só me passou a idéia de me matar, e devo admitir que desde então essa idéia vem sempre como solução do menor ao maior problema. Posso dizer que acho que superei tudo isso, mas que ficou marcas profundas em minha alma, e que nunca me livrei dessas marcas, posso garantir. Não chega a ser uma fobia, mas passei a não gostar e ter uma grande antipatia por grande quantidade de água. Como mar, lagos e rios.

Filho único e sem avós maternos e paternos, tive que ir para o Recife, morar com o irmão de meu pai. Gregor Maranhão, meu tio era um importante político naquela cidade. A lembrança da minha chegada, até hoje ainda é muito nítida para mim:

- Carlos, essas são suas primas Grete e Greta – Disse meu tio, querendo ser gentil. As duas meninas embora com nomes de gêmeas, não eram gêmeas. A primeira tinha 13 anos, e a segunda 10. Ambas me receberam com carinho, mas Greta a mais gordinha, sempre me olhava com cara feia, quando estávamos a sós.

- Esta é sua tia Leonor. – Continuou meu tio procurando sempre se mostrar o mais caloroso possível. Leonor, uma mulher corpulenta mais de muita educação. Arriscaria a dizer que era a pessoa que conheci mais preparada para receber. E nada mais bem-vindo sendo ela a esposa de um político.

Passamos naquela residência ainda uns poucos anos. Logo depois nos mudamos para uma cobertura na Avenida Beira-Mar de Boa Viagem. Não tive muitos problemas, meu tio me saiu um verdadeiro pai. Talvez isso tenha acontecido por eu ser filho de seu único irmão, ele não tinha um filho. Acho que o tal destino, se ele existe, me encravou nessa lacuna da vida de meu tio. No passar do tempo não tive grandes dificuldades, talvez por uma defesa me sentisse superior a todos. Devo afirmar que isso me ajudou. Me destaquei nos estudos, nos esportes, eu era o que se podia chamar de popular. Logo estava me formando, escolhi direito, talvez por saber que era isso que me tio queria para mim. Mas na hora da colação, lembrei das palavras de meu pai:

- Advogado foi a única profissão criada pelo Diabo.

Depois de voltar do exterior, onde eu fui fazer um doutorado, presente de meu tio, ele e eu tivemos a conversa que mudaria minha vida para sempre:

- Chegou a hora Carlos.

- Hora de quê?

- Você será candidato a deputado nas próximas eleições. E tenha certeza, será a primeira de muitas que irá ganhar.

- O senhor falando assim, tenho certeza. Mas o dinheiro para isso? Ontem mesmo o senhor queixava-se de dinheiro. – O chamava de senhor por que foi umas das poucas exigências que ele me fez. – Este negócio de eleição sempre me falou que custa caro.

- Já está tudo arrumado. O ministro Clovis Aranha e o deputado Cláudio Pimentel vão bancar tudo. A coisa já é garantida.

Sendo assim o resultado foi o que se esperava. Acredito que Tio Gregor com certeza era o mais feliz de todos, quando gritava:

- 14860 votos. O segundo, o segundo! Eu sabia que seria batata. Batata...

Sua esposa, sempre contida e serena, repetia sem parar:

- Parabéns meu filho, parabéns meu filho...

Como por encanto logo me transformei em um político de grande respaldo, não sei como, logo me livrei da sombra de meu tio. Eu era Carlos Maranhão. O presidente da Assembléia, o político mais influente daquela casa. Acho que perdia só para o Governador, mas numa segunda tentativa seria capaz, com a artimanha certa, passar até por cima dele.

Em um belo dia entre uma e outra assinatura olhava para o teto, quando a secretária me avisou da próxima reunião. Era com um executivo, de uma dessas multinacionais. A porta se abriu, e o homem me saudou com um caloroso sorriso:

- Hello, Mr. Maranhão. – Mr. Hudson era uma figura agradável, bem-vestido, os cabelos bem-penteados e um sorriso com dentes muito brancos, que logo me lembraram um comercial de creme dental. Hudson era um desses executivos internacionais que fatiam o terceiro mundo, e o entrega ao dito primeiro, para esse devorá-las. Nossa entrevista, claro, foi em inglês. Sentia as vezes que ele queria me testar, mas não o levei a mal. Eu gosto de falar outros idiomas fluentemente.

Passando as primeiras palavras de meras formalidades, ele logo me passou um relatório que me deixou intrigado. Era sobre Porção. No relatório podia-se ler que a cidade ficava no interior, no Vale do Ipojuca. Com uma área de 212,1 Km , uma população de 9.579 habitantes. Em destaque lia-se que na cidade estava a nascente do rio Capibaribe. Depois de ler perguntei:

- Em que posso ajudá-lo?

- Nossa empresa deseja instalar uma de nossas fábricas, nesta cidade. – Disse ele apontando de uma maneira cordial para o relatório que ainda se encontrava em minhas mãos.

- Ótimo. Melhor impossível. – disse sorrindo. – Mas por que me procuraram?

- O Senhor é o deputado mais influente de seu estado. Precisamos de seu apóio, nossa fábrica de detergentes, tem como resultado final, resíduos com altas taxas de poluentes dos mais nocivos...

- Você está louco... O Capibaribe já está agonizando, mas ainda é um dos maiores símbolos desta terra. Faça a fábrica em seu país. – Procurei demonstrar ao máximo uma indignação, que para ser sincero, sofri um pouco por não senti-la. Ele sorriu de uma maneira paciente, e não tardou em continuar:

- Nossa empresa atua em vários segmentos internacionais. Pertence ao nosso grupo a empresa que transformou o rio que corta a Coréia do Sul. Que era um dos mais poluídos do mundo, e hoje famílias inteiras pescam nele. Em suas águas cristalinas. Nosso grupo não receberá o seu apoio de uma forma ingrata. Trago aqui, em caráter de última oferta, um milhão. Falo em dólar, não em reais. Ficarei na cidade ainda por três dias, no último tornarei a procurá-lo a fim de obter sua resposta. – Depois que me entregou seu cartão, apertou-me a mão como se tivesse me proposto o mais digno de todos os negócios. Demonstrei o máximo de decepção que me foi possível. Chegando em casa, tratei de ligar logo ao meu tio, e marcar uma reunião para aquela mesma noite em meu apartamento, pois já há algum tempo não morava mais em sua casa. Logo meu tio estava comigo:

- O que houve? No telefone me pareceu agoniado.

- Hoje recebi uma... – Depois de escutar todo o meu relato, em todos os seus detalhes. Não tardou, com seu jeito paternal, em me aconselhar:

- Bata o martelo. Feche com eles e trate de todos os detalhes. Não pense duas vezes. Não pense nessas tolices de nascente. Pense no trabalho que isso vai gerar, na moradia, nos estudos dos filhos dos funcionários. Você deve saber que esses empreendimentos vêm acompanhados de tudo isso. Isso é reeleição na certa. Tenha certeza, tenha certeza. – Me afirmou já com o rosto vermelho, o que acontecia sempre que se empolgava. – Sem falar de seu bolso, que é importante. Muito importante.

Não formei nenhuma opinião sobre os conselhos de meu tio. Era como se eu estivesse só, naquele momento. Por mais que ele vibrasse com toda aquela negociata. Naquela noite não dormi bem. Acho mesmo que nem cheguei a dormir. Não sei por que toda aquela questão tinha me deixado tão indeciso. Afinal seria sim ou não. Estava perturbado, e a velha idéia de suicídio, mais uma vez me veio como a solução de tudo.

Passados os três dias, Mr. Hudson...

Devo informar de onde conto toda essa história. Estou no Dilido Hotel, inaugurado em dezembro de 2003. Depois de inúmeros atrasos e milhões de dólares gastos em obras. O prédio é uma jóia arquitetônica dos anos 50. Achei a sua aparência de um transatlântico, um pouco cafona, sua piscina não vale o caríssimo preço de sua diária. O melhor mesmo é seu bar a beira de South Beach, uma das praias de Miami. Aqui é o lugar do momento, os shows sensuais que acontecem à beira da piscina são sem iguais. As festas são disputadíssimas, com modelos com o corpo todo pintado, e outras com asas que chegam a três metros de larguras. Famosos e ricos por toda a parte. Esta praia fica naquele trecho famoso pelos predinhos Art Déco em tons pastel que ficam os melhores hotéis, bares, restaurantes e boates de toda a Miami. Aqui tem celebridades por todos os lados. Já passaram por mim, Britney Spears, Matt Damon e Jennifer Lopez. Esta última dizem que até mora aqui. Miami por uma década saiu do circuito das grandes cidades mundiais. Mas agora voltou, e vive um de seus grandes momentos. As mulheres, maravilhosas. A hora certa de chegar às boates é por volta das onze. Nas mais famosas, Mynt e Privé, nem todos podem entrar, a grande maioria é barrada. Para entrar dão preferência a famosos ou habitués. Privé às sextas, Mynt aos sábados, Nikki Beath e Pearl aos domingos.

Quanto à Mr. Hudson... Não resisti e o apoiei em seu projeto. Serei eu, o inimigo do povo? Não, se não fosse eu seria outro. Acreditem que o milhão que ganhei, foi o primeiro de muitos outros que o seguiram. Portanto...

Conto de Cassio Cavalcante

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