sábado, 3 de julho de 2010

ENTRE O SOL E A LUA

“A vida só é possível reiventada”, anuncia Cecília Meireles. Cada dia reclama perspectivas novas, um projeto diferente, alentos de ressurreição. Nasço a toda hora para morrer adiante e nascer de novo. Um périplo flutuante, instável, alternado. Se o tempo é a medida do movimento, importa que os jorros interiores o modulem em forma de mandala — numa ascendência espiralada. Os amanheceres pedem horas alvissareiras. Não basta acordar e abrir a janela, olhar a natureza e vigiá-la com atenção, mas inseri-la como parte da própria vivência. Colher uma flor supõe um esforço de pura sensibilidade. E sob o sol ou a chuva reconstruo as horas vindouras. Não é preciso muito para reinventar a vida. Depende apenas da nossa capacidade criativa.

Falo tudo isso porque um amigo me indagava em noite festiva: “Você hoje está triste; por quê?” Recorro de novo a Cecília Meireles: “Tenho fases, como a lua./ Fases de andar escondida,/ fases de vir para a rua.../” O mundo por vezes se mostra chocantemente superficial, postiço. Então me recolho em refúgios protegidos. Evito o excesso de exposição, fecho-me no claustro, opto pela vida monástica — algo conventual que me defende das possíveis intempéries. Em outros instantes, deixo-me envolver por uma melancolia advinda da fragilidade, a minha. E não tenho forças para recriar o dia. As palavras do amigo assaltaram-me como um alerta diante de aparências transitórias, quando a nostalgia se estampa nos olhos desprovidos de muros de defesa.

Reinventar a vida é reiniciá-la dia a dia. São os recomeços que ofertam energia à caminhada, um pouco aqui, um pouco ali, sempre um achado valoroso dentro de nós mesmos. Vasculhar o íntimo é a única maneira de reavivar utopias. A emoção depende de uma ordem interior. E essa ordem exige que os elos sensitivos estejam em harmonia. Que nada escape à deliciosa rotina, que dia e noite se completem na irreversível sucessão. A noite não representa a despedida do dia; simboliza o seu clímax, a reverência aos passados, as possibilitações futuras. Pelo menos para mim, pois é no silêncio da noite que sacolejo as vontades.

Mexo e remexo nos esconderijos. As coisas são indefiníveis na essência. O exagero de definições empobrece, pragmatiza o cotidiano, limita, reduz o que não pode e nem deve ser refreado. Sou um novelo de emaranhados, de linhas que não se sobrepõem, de cores e matizes diferentes, uns fios mais grossos, outros mais finos, todos independentes e, no entanto, interconectados nas dessemelhanças. Há altos e baixos que impulsionam o equilíbrio do núcleo existencial, triste ou alegre, ao embalo da diversidade do eu.

E Cecília Meireles sempre me acode, a voz da poetisa explode: “Já fui loura, já fui morena,/ Já fui Margarida e Beatriz./ Já fui Maria e Madalena./ Só não pude ser como quis.” Será que a máscara se colou ao rosto ao modo de Fernando Pessoa? Em que beco perdi a minha face? É a mesma Cecília Meireles que desenha o retrato: “Eu não tinha este rosto de hoje,/ assim calmo, assim triste, assim magro,/ nem estes olhos tão vazios,/ nem o lábio amargo... Eu não dei por esta mudança,/ tão simples, tão certa, tão fácil: — Em que espelho ficou perdida/ a minha face?”

Estou triste e alegre — nos interstícios do sol e da lua. As mudanças fazem parte de uma ciranda prenhe de circunvoluções. É necessário acumular sensações, sem receio de mergulhar no ermo reflexivo; do frenético redemoinho, extraio o que de melhor preservo. Cultuo uma dinâmica incansável, fujo de um polo para o outro. Atraem-me os contrários. E me espio intensa em todos os momentos, a transparecer o riso e a lágrima.

E naquela noite estava realmente triste.


segunda-feira, 21 de junho de 2010

ALBERT CAMUS



Albert Camus escreveu, no período de 1936 a 1938, um romance intitulado A Morte Feliz, porém publicado em 1971. Em 1942 apareceu um romance intitulado O Estrangeiro. Mersault é o nome do herói de A Morte Feliz. Em O Estrangeiro, o personagem principal tem um nome parecido, Meursault. A semelhança de Mersault e Meursault não está apenas no nome, mas também nos personagens, no entanto, há igualmente grandes diferenças entre eles.

A obra de Albert Camus já foi muito lida e estudada, porém ela nos oferece ainda seus segredos.

(LVN)

HISTÓRIAS VERDADEIRAS



São sete minicontos, nos quais o Escritor Lucilo Varejão Neto (que tão bem conheço como exímio pesquisador e competente ensaísta) destaca traços marcantes das personalidades dos principais envolvidos, que se ressaltam nos relatos, ora trágicos, risíveis ou mesmo caricatos. E qual existência não é assim, “nesta complexa, contraditória e inexplicável viagem rumo à morte que é a vida de toda pessoa” (Ernesto Sabato)?

Cloves Marques
Escritor

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Morre, aos 87 anos, o escritor português José Saramago

Autor de 'Ensaio sobre a cegueira' era vencedor do Prêmio Nobel.


Nota em seu site fala 'múltipla falha orgânica após prolongada doença'.


O escritor José Saramago, morto nesta sexta (18), aos 87 anos, em foto de novembro de 2009 (Foto: AFP)

O escritor português José Saramago morreu aos 87 anos em sua casa em Lanzarote, nas Ilhas Canárias, nesta sexta-feira (18). A informação foi divulgada pela família do escritor de "Ensaio sobre a cegueira" e confirmada em seu site oficial.

"Hoje, sexta-feira, 18 de junho, José Saramago faleceu às 12h30 horas [horário local] na sua residência de Lanzarote, aos 87 anos de idade, em consequência de uma múltipla falha orgânica, após uma prolongada doença. O escritor morreu estando acompanhado pela sua família, despedindo-se de uma forma serena e tranquila", diz uma nota assinada pela Fundação José Saramago e publicada na página do escritor na internet.

O autor de "O evangelho segundo Jesus Cristo" e "Ensaio sobre a cegueira" vivia em Lanzarote desde 1993 com sua esposa, a jornalista Pilar del Río. Nos últimos anos foi hospitalizado em várias oportunidades, principalmente devido a problemas respiratórios.

Expoente da literatura mundial

O escritor português era um dos maiores nomes da literatura contemporânea e vencedor de um prêmio Nobel de Literatura no ano de 1998 e de um prêmio Camões - a mais importante condecoração da língua portuguesa.

O autor era tido como o criador de um dos universos literários mais pessoais e sólidos do século XX e uniu a atividade de escritor com a de homem crítico da sociedade, denunciando injustiças e se pronunciando sobre conflitos políticos de sua época.

Entre seus livros mais conhecidos estão "O evangelho segundo Jesus Cristo", "A balsa de pedra" e "A viagem do elefante". O mais recente romance publicado pelo escritor foi "Caim", de 2009.

"Ensaio sobre a cegueira" foi levado às telas em um produção hollywoodiana filmada pelo cineasta brasileiro Fernando Meirelles (de "Cidade de Deus") em 2008.

No mesmo ano, uma exposição sobre o trabalho de Saramago foi exibida no Brasil. "José Saramago: a consistência dos sonhos" trazia cerca de 500 documentos originais e outros tantos digitalizados, reunidos em um formato que, misturando o tradicional e a tecnologia moderna, levavam o visitante a uma agradável e rara viagem pela vida e pela obra do escritor português.



Veja, abaixo, uma lista de romances escritos por Saramago

"Terra do pecado"

"Manual de pintura e caligrafia"

"Levantado do chão

"Memorial do convento"

"O ano da morte de Ricardo Reis"

"A jangada de pedra"

"História do cerco de Lisboa"

"O Evangelho segundo Jesus Cristo"

"Ensaio sobre a cegueira"

"Todos os nomes"

"A caverna"

"O homem duplicado"

"Ensaio sobre a lucidez"

"As intermitências da morte"

"A viagem do elefante"

"Caim"



Cássio Cavalcante

Fonte: www.globo.com

quinta-feira, 17 de junho de 2010

50 POEMAS ESCOLHIDOS PELO AUTOR DE LOURDES SARMENTO


O livro em questão ganhou o Prêmio Carlos Ribeiro, da UBE-RJ/ 2009. É impressionante o poder de que a poetisa tem em bailar com as palavras, criando uma harmonia com o que quer nos transmitir. Vejamos quando ela nos fala do objeto tão querido, o livro:


“os livros dominam
os quartos, as gavetas
não são hóspedes
são vozes silenciosas
identidade registrada
do canto da vida
corpo e alma
da palavra”

Como uma maestrina perfeccionista, ela comanda o símbolo maior, a palavra, as conduzindo na formação da poesia. Lourdes é membro efetivo da Academia Recifense de Letras e da Academia de Letras e Artes do Nordeste. Pertence ao quadro de associados da UBE-PE entre outras entidades literárias. Mas acima de tudo ela é amiga daquele que quer fazer o bem em relação à literatura pernambucana; seja o consagrado ou o novo.
 
Cássio Cavalcante

domingo, 13 de junho de 2010

A DIFÍCIL ARTE DE ESCREVER

Tenho medo da página em branco. Assustam-me as folhas desérticas à espera de palavras ainda não concebidas. O receio aumenta quando a consciência do dizer se instala, censura que limita a criatividade ou que faz latejar em veias pulsantes as ambiguidades de cada um. Escrever é um gesto de ousadia, revela um certo desatino, uma quase loucura. Afinal, que dirá o leitor diante de palavras com aparente nexo ou propositadamente desarticuladas? Faulkner (1897-1962) não se preocupava com regras de pontuação, menos ainda com explicitações temporais. O tempo era o presente que se metamorfoseava ao seu bel prazer. Joyce (1882-1941) explorava a musicalidade em uma escritura de altos e baixos, trechos autônomos e distantes de previsíveis linearidades. Machado de Assis (1839-1908) se enredava numa fina ironia; crítico acirrado, perscrutava os variados matizes de uma sociedade convencional. Guimarães Rosa (1908-1967) adotava um léxico próprio, com termos atávicos, criados por ele ou garimpados em pesquisa profunda, tais, que ensejou dicionários em torno da sua obra, notadamente “Grande Sertão: veredas”. Clarice Lispector (1920-1977) alertava: “Mas já que se há de escrever, que ao menos não se esmaguem com palavras as entrelinhas”. E Manuel Bandeira (1886-1968) decretou: “Estou farto do lirismo comedido/do lirismo bem comportado/ abaixo os puristas/ Quero antes o lirismo dos loucos/O lirismo dos bêbados/O lirismo difícil e pungente dos bêbados”.

Cada escritor busca sua libertação, assumindo o compromisso apenas de alongar-se em retratos simbólicos. Escrever é preciso. Quão complexo, todavia, ser original! E tudo parece acabar em repetições, em idéias que outros já dominaram, na arte quase impossível de inventar. A narrativa exige pessoalidade e um grande manancial de antevisões. Por isso, o escrever mexe com a alma, exaurindo-a até o limite do suportável. Só aí a palavra ganha a verdadeira transignificação. Lembro de Adélia Prado, quando comunica sua inquietação ao olhar para uma pedra e vê-la uma pedra — então, afirma não se encontrar na hora de escrever. É exatamente a subjetivação do olhar que estimula a inspiração. Uma pedra pode ser uma pedra, mas pode não ser. Melhor concebê-la uma metapedra e dela extrair o que a fantasia será capaz de inferir.

Um texto habilmente elaborado sugere, jamais impõe conclusões. Cabe à imaginação de quem lê a construção e a desconstrução do lido. Isto me recorda a acurada escuta das novelas de rádio na fase de criança, lá pelos idos de 1955. A sonoplastia levava a mundos surrealistas. As emoções se desdobravam além do plausível; tudo se desenrolava em contextos ocultos, nunca visualizados, mas infinitamente imagináveis. A literatura se aproxima desse cenário, o seu domínio é o do implícito: deve conter a sonoplastia do não visto. É exatamente o jogo de palavras numa afinada partitura que possibilita os devaneios da significação, devaneios particularizados em cada autor e em cada leitor. Uns veem de uma forma; outros, de outra — a narrativa, portanto, se multiplica em captações individuais, metaforicamente abstraídas.

Se a sonoplastia transmite sons tonitruantes ou melodiosos, a cenografia das palavras ondula entre o que deve ser dito e o que há de se omitir. A luta do escritor consiste na escolha. Quantas vezes levamos dias e dias para encontrar — muitas vezes sem sucesso — a forma adequada à frase inacabada! O escritor torturado nunca se satisfaz, um permanente angustiado, a perseguir o arremate que nunca chega. Ainda bem. A linguagem não se conclui, escapa de soluções simplistas, perdura ao longo do tempo numa caminhada eterna e eternizante. O pensamento, se possui estilo e beleza, não tem época. “Os Diálogos” de Platão são belos e consagrados na sua leveza artística. Nada os maculou nem os maculará, pois o presente, seja ele qual for, consolida-os como expressão estética.

Escrever reclama sofrimento, e muito. O prazer experimenta-se depois do texto estruturado. E, assim mesmo, ancorado em dúvidas, incertezas e inseguranças. Há uma aliança indissociável entre silêncios e frases em ruptura. Silêncios que selam mistérios e pausas da literatura. E qual a palavra do silêncio?

Texto de Fátima Quintas (Academia Pernambucana de Letras/ Academia Recifense de Letras.)
E-mail:fquintas84@terra.com.br

A VOZ DO MAR

(a Dirceu Ravelo e Marco Maciel)

Escuto a voz do mar. Ouço o rosnado
das ondas ao fazer tantos saudares
às vagas que provêm dos outros mares,
num linguajar de sal, codificado.

Os ventos trazem brumas seculares
veiculando um vendaval cansado.
Do Pólo Sul, o sopro congelado
transfere ao mar rumores regulares.

As correntes marinhas traçam rotas
sob as lépidas asas das gaivotas
no roteiro diário das jangadas.

Com fala monocórdia o mar não cala,
ouvindo o seu rosnar, lhe entendo a fala,
no silêncio abissal das madrugadas.

Poema de Carlos Severiano Cavalcanti

BEM-AMADA

Luminosa, deixa um brilho de Natal
nas coisas que toca.
Em bolas de aljôfar
todo o verde transforma

Esfuziante e nua
desce sensual
úmida e coleante.
Mulher,
em horizontal se põe
entrega-se espraia-se
desliza
deixa-se sugar
absorvida
liquefeita deglutida
perfeita e desejada
bela e gloriosa
bem-amada: CHUVA.

Poema de Odile Cantinho

O LAVRADOR E O TEMPLO

Sê como o templo natural,
este Universo,
de onde emana
a humildade;
onde um calendário
além dos olhos
tece as estações,
a eternidade.

Há tantas safras
de estrelas nesta vida;
tantos espaços
ou troncos da verdade.
Sê mais que um servo
desse plantio de luz:
lavra, em ti,
a mansidão, a paz.

Poema de Lourdes Nicácio

A PERGUNTA

da palavra
à energia
o ciclo se forma
ao avesso
nuvens cinzentas
tiram a luz das praças
praças cinzentas
plantas arrancadas
sem o verde
verde olhar do mundo

e tu silêncio
que fazes?

Poema de Lourde Sarmento

A ESPERA E A ESQUINA

A espera é despótica
e majestosa

Traz o instante
e a história

Aonde iremos
sem saber da esquina?

Poema de Lúcio Ferreira

NOTAS DE VIAGEM

Macapá , 29-08-81

Por OLIMPIO BONALD NETO

Em Abril de 1980 o então Min. da Industria, João Camilo e o Presidente da EMBRATUR, Miguel Colassuonno corriam o Mundo anunciando aos Agentes do Turismo Internacional as perspectivas do Turismo Brasileiro com seus Destinos, Atrativos exóticos e novos Equipamentos no Norte e Nordeste.

Entre os amazonenses crescia a expectativa de assistir o desembarque de levas de visitantes estrangeiros a cata dos derradeiros índios vivendo na legendária floresta virgem, com seus rios, natureza tropical, igarapés, aves e animais selvagens.

No ano seguinte nossos amigos e ex–alunos, turismólogos, Flávio Zirpolli e Marta Figeiredoi, que estavam no interior amazonense aplicando seus conhecimentos científicos na Secretaria de Turismo do Território do Amapá, convidaram-nos a visitar a sua área de atuação e aconselhar, especialmente no que respeitava à programação dos eventos e marketing, o produto turístico amapaense a ser lançado no mercado interno e internacional.

Das paginas das notas daquela viagem em companhia de Zenaide e dos amigos Zirpolli , extraímos trechos mais curiosos .

AVENTURA E VIAGEM

Uma experiência inesquecível !

Andamos de avião, de barcos , de carros e canoas centenas de quilômetros pela região mais desconhecida e de menor densidade populacional do Brasil que vinha tendo o maior crescimento, entre as décadas de 71 e 81, igual a 5% ao ano e superior ao dobro da media nacional. Uma imensa terra úmida e quente (média de 25º C), de chuvas diárias e abundantes que chegavam a 2 mil mm anuais, dominada pela magnífica e lendária floresta virgem com todo seu mistério.

Visitamos pitorescas vilas, aldeias e desde tabas bem primitivas até modernas empreendimentos capitalistas como as áreas de extração de minério manganês, explorada por norte americanos .

Ali fotografamos ( discretamente) o desperdício de nossas reservas naturais, com o corte de arvores centenárias e a queima dos miolos de madeiras nobres em grandes fogueiras que ardiam nos pátios das madeireiras internacionais, depois que exploravam as matas e serravam milhares de barrotes e tabuas ao longo da Ferrovia particular. E tudo, generosamente, dado em concessão de 50 anos às Empresas internacionais de mineração.

Nessa ocasião fizemos uma das mais fascinantes excursões pelo interior da selva, atravessando igarapés e trilhas para visitar a cidade sede da Empresa ICOMI, na vila da Serra Negra. Ali estavam as minas de manganês, exploradas a céu aberto e a FÁBRICA DE BENEFICIAMENTO, onde o minério bruto era PELOTIZADO, para serem embarcadas nos vagões e levadas , na extensa ferrovia (de mais de 200 kms) até ao Porto de Macapá onde seguiam para o exterior. Naquela ocasião nos disseram que os americanos estavam levando todo o minério arrancado da terra amazônica para uma área desértica do Arizona onde enterravam como “reservas técnicas” para a fabricação de aço no futuro...

Hospedados na Vila, observamos tambem como o material de construção, moveis, utensílios, maquinas , veículos, muitos alimentos enlatados e até os descartáveis vinham dos EE UU, assim como a maior parte dos trabalhadores especializados e administradores.

NA VILA DA ICOMI – alto da SERRA NEGRA

“- Aqui não há dia feriado, nem dia santo ou domingo”, disse-nos o guia ; “todas as horas, do dia e da noite são de trabalho para a gente que se reveza nas maquinas e nos veículos.

É colossal o esforço dos miúdos homens destruindo sistematicamente a vegetação das colinas para arrancar de suas entranhas o manganês, minerio raro e tão cobiçado pela Industria internacional do aço.

Começa com a derrubada, desde os arbustos às majestosa arvores centenárias, algumas altíssimas.

Depois os tratores “descascam” a cobertura viva do húmus e a vegetação rasteira, rasgando sulcos largos e cada vez mais profundos até encontrarem os veios do minério que existem, às vezes a poucos centímetros da superfície e, em outras partes, alcançando até 8 ou12 metros abaixo da superfície, formando verdadeiros desfiladeiros.

Todo o trabalho é feito, a “céu aberto”.As enormes escavadeiras - como paleolíticas feras de aço e pneus vão arrancando nacos da terra virgem e ruminando as rações para cuspirem nas caminhões-caçambas o negro e brilhante manganês em forma bruta, com outros minerais ainda mais raros, como bauxita, mica, ferro e as vezes até pepitas de pedras e metais preciosos, cobre, prata e ouro sendo tudo pulverizado e transformadas em pequenas bolas negras, rebrilhantes.

Uma tarde saímos, com o Sr. Edson, Chefe de Segurança e RP da ICOMI na Vila, num tour pelas minas para ver as dependências do empreendimento. Havia cerca de 10 minas espalhadas em vários pontos da floresta, ao redor da Vila, trabalhando para alimentar a planta industrial de beneficiamento do minério que produziam muitas toneladas por dia. O minério pelotizado era armazenado em silos ou, no pátio ao ar livre, em enormes dunas negras para embarque pela ferrovia até o Porto de Macapá, distante 200 km.

Numa dessas excursões, viajando numa camionete Rural , assistimos a um dos mais temíveis e belos espetáculos da Natureza.

UMA TEMPESTADE TROPICAL NA FLORESTA AMAZÔNICA

Ao pararmos no mirante de uma profunda mina avistamos, por cima do verde escuro da floresta, a nuvem opaca crescendo no horizonte , aos nosso pés e manchando o céu de azul translúcido,

-“Vem chuva grossa “.Disse o guia. –“Vamos embora!”

Uns quinze minutos depois, quando já atravessávamos uma clareira, cercados por gigantescas arvores de 10 a 15 metros, começou a chuva.

Ela foi anunciada por rajadas de vento sibilando na folhagem e e derrubando muitas folhas, pequenos frutos e galhos . A ventania aumentou instantaneamente como se houvessem ligado milhares de gigantescos ventiladores.

Tal se a Natureza entrasse em convulsões de crise epilética com ventos e os estrondos dos trovões ecoando na imensidão, tremendo a terra e fazendo coro às golfadas de água, jogadas das nuvens negras que pareciam ter baixado à altura das copas mais altas, tudo encobrIndo, não se vendo mais nem o céu, nem galhos, nem claridade entre as folhagens.

Ainda hoje , como num flash , vejo aquela tarde que se fez escura noite de cortantes ventos gelados rugindo entre as arvores açoitadas pela tempestade. Não foram pingos mas pedaços de água gelada que cairam e doeram em nossas mãos estendidas fora do veiculo. Grossa chuva que furava o chão areia e batucava no teto da Kombi como em um enorme tambor , dificultando até a comunicação verbal.

Continua vivo o espanto e o medo estampados em nossas faces quando uma das arvores mais isolada , espancada pelas chicotadas da ventania e do aguaceiro gelado, com os galhos enlouquecidos querendo largarem-se dos troncos e fugirem da tortura, foi atingida por um fulgurante relâmpago.

Vergando-se toda, como se pressionada por uma terrível mão invisível, torceu-se e quebrouo tronco logo abaixo da copa. A enorme criatura ferida de morte, tombou, rodopiando a frente do nosso veiculo , como se gritasse espichando e retorcendo os ramos mais delgados - dedos finos- , a soltarem cabelos verdes, folhas, ninhos e ramagens inteiras.

Todos

Na mesma hora recordei, a espetacular descrição de tempestade semelhante feita por Euclides da Cunha NA AMAZONIA MISTERIOSA durante suas viagens pelo Alto Purus.

Sem o talento euclidiano , todavia, mas sem poder esquecer a cena fantástica desde então venho tentando fixar em prosa aquela poderosa e inesquecível emoção multi-sensorial .

Agora, tantos anos passados, sei que jamais esquecerei aqueles poucos minutos de vida fragílima no meio da fúria dos elementos naturais explodindo dentro do coração selvagem e bárbaro da floresta amazônica.

Atenção: consertar e prosseguir - tarde 29-6-09

NO TEMPO

A vida se dissolve nas horas, nas sombras, nas passadas, nos sonhos, no nada. Nem ao menos podemos preservar os sonhos. No espaço deixado pelo que se foi, lembranças enterradas compulsoriamente.

Sobre o móvel, fotografias de um tempo adormecido. No piano compassos de valsas à espera do tom. O aniversário, a formatura, o casamento. Das prisões dos porta-retratos as lembranças não podem fugir. A chuva acaricia o jardim. A roseira agradece. Fecho os olhos, desligo o pensamento. Volto para a cama. Medos me assaltam.

O trovão assusta a menina: - Tem medo, não, filha, é Deus arrumando a casa. O relâmpago risca o fósforo, acende o céu. Sinhá Maria afagava-lhe as ilusões. Ainda não era tempo de verdades. Rituais de chegadas e partidas. Mãos abandonadas, olhos fechados, ouvidos de silêncio. Sou eu? Nem sei. Uma estranha sabendo de mim o que não sei, dando voltas ao redor do nada.

Os sinos tocam.

Epifania, Eucaristia, Te Deum, anunciam e desanunciam a vida numa melancolia de noite de Natal ou na alegria do primeiro dia de um mundo inteiro a começar de novo - ameaça ritual de felicidade.

Metade da vida se vai, nos perdões vadios, nos arrependimentos vazios.

Fecha-se um tempo. A terra arquiva os escolhidos nos rituais das bênçãos e dos adeuses.

O corpo no chão. Nos pés, asas de Ícaro, sonhos derretidos, lágrimas de vidro.

O corpo no chão. Encantos de um maio branco, flores, altares, não e sim acasalados.

O corpo no chão. No olhar a certeza de uma alma esmagada.

Alma fantasiada. Monges, colombinas, palhaços, tudo sonho, tudo sonho, almas alegóricas vestem histórias de faz de contas. Era uma vez....

O corpo no chão, sinalizado: pare olhe escute.

A vida apita na curva.

Quem inventou a obediência inventou o arrependimento.

É preciso obedecer e saber que isto é isto é se já não me bastasse a respiração tenho que acompanhar o ritmo. Morro quando não posso parar e só me resta seguir as pegadas alheias nos caminhos tortos sem paradas.Visto-me com os farrapos dos meus enganos. Nasci assim, nem verde nem madura. O que me prendia ao tronco da matéria foi cortado e enterrado num vaso de rosas, ali, um pedaço de mim descansa em paz. Com os restos de um livre arbítrio risonho e falso, construí inutilidades.

O corpo no chão.

Olhe, pense, ria. Olhei sem pensar e ri na hora errada.

Ao amanhecer arrumo tesouros do para sempre: um punhado de terra uma pá de cal.

Rasgo retratos antes que a traça os trace. Guardo o da família unida e imortal onde as crianças não crescem nem os velhos morrem. Queimo papéis, cartas, recados, promessas. Entrego meus livros para adoção. Alguns levam minhas mágoas nas entrelinhas.

Texto de Djanira Silva

REALIDADE

Livros, sapatos, roupas espalhadas
Da porta da cozinha até o portão
Sobre as camas toalhas encharcadas
Marcas de pés molhados, pelo chão

Todas as salas são desarrumadas
A mãe impaciente ralha, em vão
Crianças correm rindo às gargalhadas
Sem darem ouvidos à reclamação

Passado o tempo a casa se esvazia
E a mãe sente saudade a cada dia
Daquela antiga desarrumação

Convive com a dor da realidade
Nas cadeiras vazias a saudade
Casa arrumada pela solidão

Não me chames,
não perturbes meu silêncio.
Quero ficar aqui.
Não me mostres a lua, nem o céu nem as estrelas.
Não posso vê-los com olhos que viram a morte.

Poema de Djanira Silva

OS DOIS MUNDOS DE TODOS NÓS


Os dois Mundos de Madalena, da escritora Lourdes Nicácio nos chega novamente, desta vez em sua 5ª edição. O livro que tem este número de edições já fala por si. Pois todos que vivem no mundo das letras sabem a batalha que é, o livro sair do computador e parar nas prateleiras das livrarias.

Mas chega a esta edição com uma bagagem notável: Sua primeira publicação em 1999, foi através do SIC, Sistema de Incentivo a Cultura de Pernambuco, hoje chamado Funcultura. A autora recebeu Voto de Congratulações da Assembléia Legislativa pelo primeiro lançamento. Foi aprovado pela Secretária de Educação do Estado, em 2002 e pela Secretaria de Educação do Recife, no ano de 2000. Tema da Monografia no curso de especialização em Literatura Brasileira da Universidade Federal de Pernambuco, em 2003. Tornou-se peça de Teatro, no Curso de administração da faculdade São Miguel em 2009. É objeto de estudo, pesquisa, nas escolas do ensino médio, fundamental e universitário. Achei sim, necessário transcrever aqui essa jornada que chega a me emocionar, em se tratando deste livro.

O livro trata de uma personagem nordestina e sertaneja. Uma mulher forte de fibra, que troca seu mundo familiar no sertão que o rio São Francisco banha, pela a vida na cidade grande, na capital. Troca brusca que se faz necessária pela sobrevivência, mas que não à deixa sem a sua doce personalidade de professora do interior. Que vê nas letras a oportunidade de transformar os seus. Olimpio Bonald Neto, no prefácio descreve bem o motivo da transição de Madalena para um novo mundo:

“Natureza comandando vidas, interferindo nos planos humanos, no destino das pessoas, definindo futuros, a chuva, o dom sagrado representando a mais preciosa dádiva da natureza.”

A edição em questão é em homenagem ao centenário de vida de Madalena, mãe da autora e também à memória de seu pai José Nicácio. É uma boa leitura, uma historia que seduz pela realidade conhecida por tantas pernambucanas, por tantas mães do nosso sertão. No texto a poesia se faz em cenas literárias que construídas com sensibilidade empolga o leitor, com isso transformando o ato de ler em prazer.

Nos muitos depoimentos que encontramos no final da leitura, em um desses a escritora Telma Brilhante afirma com razão que:

“O prazer de ter lido esse livro que é um autentico poema de uma trajetória de vida.”

Se você nunca se banhou nas águas do velho Chico faça isso lendo Os Dois Mundo de Madalena. Se já banhou-se, sabes o que é bom. Então mate as saudades.

Resenha de Cássio Cavalcante

MEU PRIMEIRO MILHÃO

A história que vou começar a contar começou em um lugar muito distante do que estou agora. Para ser mais preciso, no bairro da caixa d’água no subúrbio de Salvador. O ponto de partida para tudo foi a morte de meus país. Morreram afogados na Praia de Itapuã. Era um dia no meio da semana com a praia deserta, só tiveram como testemunha de seus tristes fins, o farol. Isso mesmo, a mesma praia da música de Vinicius de Morais. Quando aconteceu estava eu com 14 anos. Ao saber só me passou a idéia de me matar, e devo admitir que desde então essa idéia vem sempre como solução do menor ao maior problema. Posso dizer que acho que superei tudo isso, mas que ficou marcas profundas em minha alma, e que nunca me livrei dessas marcas, posso garantir. Não chega a ser uma fobia, mas passei a não gostar e ter uma grande antipatia por grande quantidade de água. Como mar, lagos e rios.

Filho único e sem avós maternos e paternos, tive que ir para o Recife, morar com o irmão de meu pai. Gregor Maranhão, meu tio era um importante político naquela cidade. A lembrança da minha chegada, até hoje ainda é muito nítida para mim:

- Carlos, essas são suas primas Grete e Greta – Disse meu tio, querendo ser gentil. As duas meninas embora com nomes de gêmeas, não eram gêmeas. A primeira tinha 13 anos, e a segunda 10. Ambas me receberam com carinho, mas Greta a mais gordinha, sempre me olhava com cara feia, quando estávamos a sós.

- Esta é sua tia Leonor. – Continuou meu tio procurando sempre se mostrar o mais caloroso possível. Leonor, uma mulher corpulenta mais de muita educação. Arriscaria a dizer que era a pessoa que conheci mais preparada para receber. E nada mais bem-vindo sendo ela a esposa de um político.

Passamos naquela residência ainda uns poucos anos. Logo depois nos mudamos para uma cobertura na Avenida Beira-Mar de Boa Viagem. Não tive muitos problemas, meu tio me saiu um verdadeiro pai. Talvez isso tenha acontecido por eu ser filho de seu único irmão, ele não tinha um filho. Acho que o tal destino, se ele existe, me encravou nessa lacuna da vida de meu tio. No passar do tempo não tive grandes dificuldades, talvez por uma defesa me sentisse superior a todos. Devo afirmar que isso me ajudou. Me destaquei nos estudos, nos esportes, eu era o que se podia chamar de popular. Logo estava me formando, escolhi direito, talvez por saber que era isso que me tio queria para mim. Mas na hora da colação, lembrei das palavras de meu pai:

- Advogado foi a única profissão criada pelo Diabo.

Depois de voltar do exterior, onde eu fui fazer um doutorado, presente de meu tio, ele e eu tivemos a conversa que mudaria minha vida para sempre:

- Chegou a hora Carlos.

- Hora de quê?

- Você será candidato a deputado nas próximas eleições. E tenha certeza, será a primeira de muitas que irá ganhar.

- O senhor falando assim, tenho certeza. Mas o dinheiro para isso? Ontem mesmo o senhor queixava-se de dinheiro. – O chamava de senhor por que foi umas das poucas exigências que ele me fez. – Este negócio de eleição sempre me falou que custa caro.

- Já está tudo arrumado. O ministro Clovis Aranha e o deputado Cláudio Pimentel vão bancar tudo. A coisa já é garantida.

Sendo assim o resultado foi o que se esperava. Acredito que Tio Gregor com certeza era o mais feliz de todos, quando gritava:

- 14860 votos. O segundo, o segundo! Eu sabia que seria batata. Batata...

Sua esposa, sempre contida e serena, repetia sem parar:

- Parabéns meu filho, parabéns meu filho...

Como por encanto logo me transformei em um político de grande respaldo, não sei como, logo me livrei da sombra de meu tio. Eu era Carlos Maranhão. O presidente da Assembléia, o político mais influente daquela casa. Acho que perdia só para o Governador, mas numa segunda tentativa seria capaz, com a artimanha certa, passar até por cima dele.

Em um belo dia entre uma e outra assinatura olhava para o teto, quando a secretária me avisou da próxima reunião. Era com um executivo, de uma dessas multinacionais. A porta se abriu, e o homem me saudou com um caloroso sorriso:

- Hello, Mr. Maranhão. – Mr. Hudson era uma figura agradável, bem-vestido, os cabelos bem-penteados e um sorriso com dentes muito brancos, que logo me lembraram um comercial de creme dental. Hudson era um desses executivos internacionais que fatiam o terceiro mundo, e o entrega ao dito primeiro, para esse devorá-las. Nossa entrevista, claro, foi em inglês. Sentia as vezes que ele queria me testar, mas não o levei a mal. Eu gosto de falar outros idiomas fluentemente.

Passando as primeiras palavras de meras formalidades, ele logo me passou um relatório que me deixou intrigado. Era sobre Porção. No relatório podia-se ler que a cidade ficava no interior, no Vale do Ipojuca. Com uma área de 212,1 Km , uma população de 9.579 habitantes. Em destaque lia-se que na cidade estava a nascente do rio Capibaribe. Depois de ler perguntei:

- Em que posso ajudá-lo?

- Nossa empresa deseja instalar uma de nossas fábricas, nesta cidade. – Disse ele apontando de uma maneira cordial para o relatório que ainda se encontrava em minhas mãos.

- Ótimo. Melhor impossível. – disse sorrindo. – Mas por que me procuraram?

- O Senhor é o deputado mais influente de seu estado. Precisamos de seu apóio, nossa fábrica de detergentes, tem como resultado final, resíduos com altas taxas de poluentes dos mais nocivos...

- Você está louco... O Capibaribe já está agonizando, mas ainda é um dos maiores símbolos desta terra. Faça a fábrica em seu país. – Procurei demonstrar ao máximo uma indignação, que para ser sincero, sofri um pouco por não senti-la. Ele sorriu de uma maneira paciente, e não tardou em continuar:

- Nossa empresa atua em vários segmentos internacionais. Pertence ao nosso grupo a empresa que transformou o rio que corta a Coréia do Sul. Que era um dos mais poluídos do mundo, e hoje famílias inteiras pescam nele. Em suas águas cristalinas. Nosso grupo não receberá o seu apoio de uma forma ingrata. Trago aqui, em caráter de última oferta, um milhão. Falo em dólar, não em reais. Ficarei na cidade ainda por três dias, no último tornarei a procurá-lo a fim de obter sua resposta. – Depois que me entregou seu cartão, apertou-me a mão como se tivesse me proposto o mais digno de todos os negócios. Demonstrei o máximo de decepção que me foi possível. Chegando em casa, tratei de ligar logo ao meu tio, e marcar uma reunião para aquela mesma noite em meu apartamento, pois já há algum tempo não morava mais em sua casa. Logo meu tio estava comigo:

- O que houve? No telefone me pareceu agoniado.

- Hoje recebi uma... – Depois de escutar todo o meu relato, em todos os seus detalhes. Não tardou, com seu jeito paternal, em me aconselhar:

- Bata o martelo. Feche com eles e trate de todos os detalhes. Não pense duas vezes. Não pense nessas tolices de nascente. Pense no trabalho que isso vai gerar, na moradia, nos estudos dos filhos dos funcionários. Você deve saber que esses empreendimentos vêm acompanhados de tudo isso. Isso é reeleição na certa. Tenha certeza, tenha certeza. – Me afirmou já com o rosto vermelho, o que acontecia sempre que se empolgava. – Sem falar de seu bolso, que é importante. Muito importante.

Não formei nenhuma opinião sobre os conselhos de meu tio. Era como se eu estivesse só, naquele momento. Por mais que ele vibrasse com toda aquela negociata. Naquela noite não dormi bem. Acho mesmo que nem cheguei a dormir. Não sei por que toda aquela questão tinha me deixado tão indeciso. Afinal seria sim ou não. Estava perturbado, e a velha idéia de suicídio, mais uma vez me veio como a solução de tudo.

Passados os três dias, Mr. Hudson...

Devo informar de onde conto toda essa história. Estou no Dilido Hotel, inaugurado em dezembro de 2003. Depois de inúmeros atrasos e milhões de dólares gastos em obras. O prédio é uma jóia arquitetônica dos anos 50. Achei a sua aparência de um transatlântico, um pouco cafona, sua piscina não vale o caríssimo preço de sua diária. O melhor mesmo é seu bar a beira de South Beach, uma das praias de Miami. Aqui é o lugar do momento, os shows sensuais que acontecem à beira da piscina são sem iguais. As festas são disputadíssimas, com modelos com o corpo todo pintado, e outras com asas que chegam a três metros de larguras. Famosos e ricos por toda a parte. Esta praia fica naquele trecho famoso pelos predinhos Art Déco em tons pastel que ficam os melhores hotéis, bares, restaurantes e boates de toda a Miami. Aqui tem celebridades por todos os lados. Já passaram por mim, Britney Spears, Matt Damon e Jennifer Lopez. Esta última dizem que até mora aqui. Miami por uma década saiu do circuito das grandes cidades mundiais. Mas agora voltou, e vive um de seus grandes momentos. As mulheres, maravilhosas. A hora certa de chegar às boates é por volta das onze. Nas mais famosas, Mynt e Privé, nem todos podem entrar, a grande maioria é barrada. Para entrar dão preferência a famosos ou habitués. Privé às sextas, Mynt aos sábados, Nikki Beath e Pearl aos domingos.

Quanto à Mr. Hudson... Não resisti e o apoiei em seu projeto. Serei eu, o inimigo do povo? Não, se não fosse eu seria outro. Acreditem que o milhão que ganhei, foi o primeiro de muitos outros que o seguiram. Portanto...

Conto de Cassio Cavalcante

POEMAS/HAICAIS

(de Primavera – haru)

Pele em arrepios.
O que teriam dito
os dedos vadios?

(de Verão – natsu)

A criança cala.
Bebeu o leite da noite
na Via-Láctea.

(Outono – aki)

Um brilho na água.
Sobre o rio Capibaribe
visita do Sol

(de Inverno – fuyu)

A água fervente.
A natureza invernal
sorri aquecida.

POEMAS/HAICAIS de Cloves Marques (estes haicais foram publicados no livro “Máscara em Haicai”, de Cloves Marques, em 2005, Recife-PE

O NASCIMENTO DE UMA MULHER

Peço licença ao tempo, que me concede procuração para outro tempo que há muito não vejo.

Estamos em pleno recreio, Grupo Escolar Delmiro Gouveia, dona Natércia Serpa de Menezes, do alto da sua maternal autoridade, é diretora com olhos para tudo de agradável que construímos, transverso à tábua das lei.

Cantamos o hino à bandeira nacional, “Salve, lindo pendão da esperança,...”, comando de dona Alice, ouvimos, os “prestem atenção” da professora Georgete em coisas capitais, “Pará/Belém, Maranhão/São Luís, Piauí/...”, e ainda jogamos futebol com bola de meia.

Às crianças são dados o aguçado poder de espiar e o livre desejo de observar. José Leal e nós, companheiros de peladas, nos deliciávamos com a bicicleta nova de Sônia. “— Bonita!”, “— Custou quanto?”, “Feita para mulher, nem tem quadro!”.

A um olhar mais atento, fez-se presente um filete líquido vermelho que escorre pela perna da menina da bicicleta e dos cabelos negros. “— Parece que me cortei!...”.

Enquanto o recreio corria pelo tempo, eu entendia que o sangue comprometido com a democracia também sabia libertar uma bela mulher das garras de uma menina sapeca.

Crônica de Cloves Marques (A crônica “O Nascimento de uma Mulher” faz parte do livro CRÔNICAS DO ENCONTRO, publicado em 1997, Recife-PE)

A DAMA DO PAÇO

Há ansiedade no seu caminhar. Ainda longe, uma batida ritmada aos poucos vem se chegando. Tambores, caixas, instrumentos de percussão. O coração acelera, pois não quer perder a oportunidade. Encontro com um pouco da sua história. Quando o sangue ferve, a identidade acontece – pensa ele. Máquina fotográfica em punho. Filme com sensibilidade, coração com emoção e olhos atentos a cada detalhe. Já próximo, uma parada dos instrumentos. Uma voz masculina destaca-se em estilo dolente e cadenciado:

Nós viemos da mãe África,

Somos presas da saudade.

Só amor em abundância

É quem dá a liberdade.

E o coro do cortejo se faz ecoar:

Só amor em abundância

É quem dá a liberdade.

Carlos aproxima-se. Um espetáculo de cores, bailado e encantamento quase hipnótico.

Nosso rei já tem coroa,

A rainha é um primor.

Quem quiser felicidade,

Vá atrás do seu amor.



Quem quiser felicidade,

Vá atrás do seu amor.

Mal começara a tirar as primeiras fotos é surpreendido: um beijo roubado. Coisas do carnaval pernambucano. Ousadia das ladeiras de Olinda.

– Meu príncipe, tira minha foto e tira minha solidão.

Ele fica meio atônito. Recobra um pouco do fôlego e, em tom jocoso e de continuidade, responde.

– O que lhe aflige, minha princesa? Tem imagem bonita, companhias formosas e uma dança encantadora. Eu é que peço socorro. A surpresa do seu carinho dá até susto de amor.

Lídia, uma morena nascida de um amor-folguedo, desses que só Momo sabe fazer, traz nas mãos uma boneca coroada. No corpo moreno, um vestido de cetim azul com miçangas prateadas, que no reflexo do sol acentuam o seu gingado. Parece a rainha Njinga Nbandi, de Angola. O rosto é adornado por expressivos olhos negros e um sorriso, que fala no requebro de palavras dengosas.

– Tudo isso, mas um coração vazio, meu príncipe – diz e prossegue – Minha calunga protetora e guardião dos segredos, Dona Isabel, mandou-me lhe dar um beijo.

Carlos, um mulato bem postado, era assaltado por dois calores, embora uma brisa em fuga com cheiro de maresia corresse por ali. O ritmo do batuque aquecia o cortejo com a percussão de tambores, alfaias, agogôs e caixas. A multidão aspergia gotas de energia no suor que molhava os calçamentos de Olinda.

Ao mesmo tempo, um folguedo particular fazia ferver as entranhas de Carlos que, nos seus 30 anos, tinha saúde pra muito mais. Uma calunga e um tambor, marcas maiores do maracatu, lhe assaltavam, enquanto as idades da certidão e do coração davam as cartas.

– Num brinca comigo, menina. Deixa tirar minhas fotos. Faz uma pose, vai. Abraça a calunga, pra eu saber quem é mais boneca...

– Nem fala assim, moço. Dona Isabel é a protetora de nós todos e de você também. O espírito da África e dos nossos antepassados lhe acompanham. Mãe me falou tudo isso antes de morrer.

Os músicos retomam o seu ofício toque de louvação, enquanto os brincantes parecem flutuar em evoluções em torno do rei, da rainha e da dama do paço, que voltara ao cortejo. À percepção e à objetiva de Carlos não escapam os trejeitos ameaçadores do caboclo de lança, que desferia olhares de ódio para Lídia.

Mais um silvo de apito e o mestre condutor do folguedo pára o desfile, entoando nova loa:

Cuidado, moça bonita,

tudo tem encanto e dor.

O ciúme do amante

é o risco do amor.

O eco fatalista do cortejo fazia o refrão:

O ciúme do amante

é o risco do amor.

Aos pedaços de conversas, aquele fotógrafo de paixão ia aprendendo e recebendo revelações. Sabia da existência do caboclo de lança – representação de um guerreiro das divindades africanas. Figura destacada do maracatu que, com indumentária multicolorida e adejante, chama a atenção por onde passa. Sem falar nos arcos virtuais desenhados no ar por sua lança e no som produzido pelos chocalhos que fazem simbiose com a dança evolutiva. Imagem diferente.

Aquele caboclo de lança era certamente diferente, principalmente, para Lídia. Fora amante de sua mãe. Parece que estava ouvindo-a dizer: “quando a gente ama, expõe o que está mais guardado na gente”, em resposta às censuras que fazia.

A menina não tinha dúvida. A mãe havia caído na arapuca do coração: amor por mendicância de amor. Ainda martelavam doidamente as palavras balbuciadas, quando definhava: “quem mata por amor é piedoso”.

Com tão pouca idade, aprendera que deveria se arriscar a devolver a dominação ou a liberdade na mesma medida como procedessem com ela. As investidas do caboclo de lança não lhe punham medo. Os desejos dele causavam repúdio. Ela sabia o que queria. Com um belo coração e uma meninice generosa, era o oposto daquele imbecil.

Enquanto isso, os componentes daquela nação maracatu, ainda agitados pelo último bater dos tambores, escutam o mestre que não tira o olho do caboclo de lança, que só tem gestos de raiva para Lídia, e solta mais uma loa:

Homem feio só dá susto,

muito mais, se odioso.

Só se salva quando for

educado e carinhoso.



Só se salva quando for

educado e carinhoso.

Lídia rindo volta ao seu assédio.

– Eu sou a Dama do Paço e meu destino é pedir. Quero uma paga pro meu beijo, meu príncipe.

– O seu jeitinho sensual de falar acrescenta tragédia ao meu desejo – disse Carlos, não se contendo, numa recaída de coisas do sangue, de preceitos da sociedade e da natureza formada.

– Minha Dama, quantos aninhos? – perguntou.

Quando ela disse dezessete, prosseguiu:

– Você quer muitas bonecas de cabelos ondulados, vestidinhos coloridos de seda da China, enfeitados com renda de Angola? – Assistindo o brilho de alegria nos olhos de Lídia, prometeu:

– Terá minha proteção e todas as bonecas. Basta ser dama só minha e largar os encantos da nação maracatu.

Uma fadiga de decepção lhe tomara a face, quando recobra a imagem que traz encalhada na memória: sua mãe se destruindo na fatalidade do amor prisão.

– Quem vê um homem declarando amor por uma mulher, já viu todos, não é Dona Isabel?

A calunga silente deixa que as loas do mestre façam malabarismo na lógica da convivência dos amantes.

Aí se engana quem pensa

“Homem é sempre igual!”

Aprender tudo outra vez

dá prazer, nunca faz mal.

Enquanto Carlos gira a objetiva para mais uma foto, a Dama do Paço, com sonhos de donzela enfeitiçada, volta ao corteja repetindo em uníssono:

Aprender tudo outra vez

dá prazer, nunca faz mal.

E Carlos prosseguia tirando fotos. Imagens aprisionadas, que lhe restariam como propriedade.

Conto de Cloves Marques (O conto “A Dama do Passo” foi classificado em 1º lugar no 3º Concurso de Contos Luís Jardim, da Biblioteca Popular de Casa Amarela, Recife-PE, 2005)

O LAGO

Assim, sempre levados em direção de novas plagas,
Na noite eterna arrebatados sem retorno,
Não poderemos nós jamais no oceano das idades
Lançar âncora um só dia?

Ó lago! o ano mal acabou seu curso,
E perto das ondas queridas que ela devia rever,
Olha! Eu venho só me sentar sobre esta pedra
Onde tu a viste sentar-se!

Tu bramias assim sob estas rochas profundas;
Assim tu te quebravas sobre seus flancos rasgados;
Assim o vento lançava a espuma de tuas ondas
Sobre seus pés adorados.

Uma tarde, te lembras tu? Nós vagávamos em silêncio;
Não se ouvia ao longe, sobre a água e sob os céus,
Senão o barulho dos remadores que batiam em cadência
Tuas ondas harmoniosas.

De repente sons desconhecidos na terra
Da margem encantada despertaram os ecos;
A onda ficou atenta, e a voz que me é querida
Deixou cair estas palavras:

“Ó tempo, suspende teu vôo! E vós, horas propícias”,
Suspendei vosso curso!
Deixai-nos saborear as rápidas delicias
Dos mais belos de nossos dias!

“Muitos infelizes aqui em baixo vos imploram:
Correi, correi para eles;
Tomai com seus dias os cuidados que os devoram;
Esquecei os felizes.

“Mas eu peço em vão alguns momentos ainda,
O tempo me escapa e foge;
Eu digo à esta noite: “Sede mais lenta”; e a aurora
Vai dissipar a noite.

“Amemos então, amemos então! Da hora fugitiva,
Apressemo-nos, gozemos!
O homem não tem porto, o tempo não tem margem;
Ele corre, e nós passamos!”

Tempos ciumentos, é possível que estes momentos de embriaguez,
Em que o amor em longas ondas derrama a felicidade sobre nós,
Fujam para longe de nós com a mesma velocidade
Que os dias de sofrimento?

Oh que! Não poderemos nós fixar-lhe pelo menos o vestígio?
Oh! passados para sempre? oh! inteiramente perdidos?
Este tempo que os deu, este tempo que os apaga,
Não no-los devolverá mais?

Eternidade, nada, passado, sombrios abismos,
Que fazei dos dias que vós devorais?
Falai: nos devolvereis estes êxtases sublimes
Que vós nos arrebatais?

Oh lago! rochedos mudos! grutas! floresta obscura!
Vós que o tempo poupa ou que ele pode rejuvenescer,
Guardai desta noite, guardai, bela natureza,
Pelo menos a lembrança!

Quer seja em teu repouso, quer seja em tuas tempestades,
Belo lago, e no aspecto de tuas sorridentes encostas,
E nestes negros pinheiros, e nestas rochas selvagens
Que pendem sobre tuas águas!

Que seja no zéfiro que estremece e que passa,
Nos ruidos de tuas margens por tuas margens repetidas,
No astro de face prateada que alveja tua superfície
Com suas brandas claridades!

Que o vento que geme, o caniço que suspira,
Que os perfumes leves de teu ar embalsamado,
Que tudo que se ouve, se vê ou se respira,
Tudo diga: “eles amaram!”

(Tradução Lucilo Varejão Neto.)

LE LAC

Ainsi, toujours poussées vers de nouveaux rivages,
Dans la nuit éternelle emportés sans retour,
Ne pourrons-nous jamais sur l’océan des âges
Jeter l’ancre un seul jour ?

O lac ! l’année à peine a fini sa carrière,
Et près des flots chéris que’elle devait revoir,
Regarde ! Je viens seul m’asseoir sur cette pierre
Où tu la vis s’asseoir !

Tu mugissais ainsi sous ces roches profondes;
Ainsi tu te brisais sur leurs flancs déchirés;
Ainsi le vent jetait l’écume de tes ondes
Sur ses pieds adorés.

Un soir, t’en souvient-il ? nous voguions en silence;
On n’entendait au loin, sur l’onde et sous les cieux,
Que le bruit des rameurs qui frappaient en cadence
Tes flots harmonieux.

Tout à coup des accents inconnus à la terre
Du rivage charmé frapperent les échos ;
Le flot fut attentif, et la voix qui m’est chère
Laissa tomber ces mots:

« O temps, suspends ton vol ! et vous, heures propices,
Suspendez votre cours!
Laissez-nous savourer les rapides délices
Des plus beaux de nos jours!

« Assez de malheureux ici-bas vous implorent:
Coulez, coulez pour eux ;
Prenez avec leurs jours les soins qui les dévorent;
Oubliez les heureux.

Mais je demande en vain quelques moments encore,
Le temps m’échappe et fuit ;
Je dis à cette nuit: « Sois plus lente »; et l’aurore
Va dissiper la nuit.

« Aimons donc, aimons donc ! de l’heure fugitive,
Hâtons-nous, jouissons !
L’homme n’a point de port, le temps n’a point de rive ;
Il coule, et nous passons ! »

Temps jaloux, se peut-il que ces moments d’ivresse,
Où l’amour à long flots nous verse le bonheur,
S’envolent loin de nous de la même vitesse
Que les jours de malheur?

Hé quoi! n’en pourrons-nous fixer au moins la trace?
Quoi !passés pour jamais? quoi ! tout entiers perdus?
Ce temps qui les donna, ce temps qui les efface,
Ne nous les rendra plus?

Éternité, néant, passé, sombres abîmes,
Que faîtes-vous des jours que vous engloutissez?
Parlez: nous les rendrez-vous ces extases sublimes
Que vous nous ravissez?

O lac! rochers muets! grottes! forêt obscure!
Vous que le temps épargne ou qu’il peut rajeunir,
Gardez de cette nuit, gardez, belle nature,
Au moins le souvenir!

Qu’il soit dans ton repos, qu’il soit dans tes orages,
Beau lac, et dans l’aspect de tes riants coteaux,
Et dans ces noirs sapins, et dans ces rocs sauvages
Qui pendent sur tes eaux!

Qu’il soit dans le zéphyr qui frémit et qui passe,
Dans les bruits de tes bords par ces bords répétés,
Dans l’astre au front d’argent qui blanchit ta surface
De ses molles clartés!

Que le vent qui gémit, le roseau qui soupire,
Que les parfums légers de ton air embaumé,
Que tout ce qu’on entend, l’on voit ou l’on respire,
Tout dise : « Ils ont aimé! »

(A. Lamartine.)

Méditations Poétiques. 1820.

Tradução de Lucilo Varejão Neto

JANEIRO E O ABSURDO

Em novembro, uma data marca particularmente aqueles que fazem Literatura. É que em 7 de novembro de 1913 nascia às duas horas da manhã, o segundo filho de Cathérine Sintès.

O nascimento de Albert Camus foi registrado na Prefeitura de Mondovi, no dia seguinte às dez horas da manhã, pelo pai, Lucien Auguste Camus, que disse ter vinte e oito anos de idade e “cavista” de profissão. Sua mulher, de trinta e um anos foi declarada “doméstica”. O lugar de nascimento foi dado como a Fazenda Saint-Paul, que ficava a oito quilómetros de Mondovi, na região de Bône. Bône , hoje se chama Annaba, e era o principal porto da Argélia francesa, perto da fronteira com a Tunísia.

Retrocedendo um pouco no tempo, vejamos um pouco das origens deste escritor franco-argelino. Qualquer biográfo verá que o nome Camus é bastante comum em algumas regiões da França. Porém, a linha familiar, por parte do pai, que deu origem ao escritor é originária de Bordeaux, no sudoeste da França. Já pelo lado materno, sua origens são espanholas, e vamos então encontrar os Sintès, os Cardona, e outros, e que servirão mais tarde para nomear alguns dos personagens do escritor Albert Camus.

Os pais e avós de Albert Camus eram analfabetos, e isto pode ser comprovado através de documentos como a certidão de casamento de Lucien e de Cathérine que nunca foram assinados. Vale ressaltar que a mãe de Camus jamais aprendeu a escrever. Segundo documentos militares, o pai havia aprendido os rudimentos de leitura e de escrita no orfanato.

Nos fins do século passado, os franceses descobriram que as vinhas se davam muito bem na África do Norte. Havia uma mão de obra mais barata e o clima favorecia a um vinho bem mais forte. Alguns franceses, negociantes de vinhos começaram a se instalar então com plantações e/ou apenas comprando barato aos colonizados e revendendo caro na França. É neste clima de negócios com vinhos que o pai de Camus, Lucien Auguste Camus é enviado pela firma, Ricôme & Filhos, para trabalhar como representante junto aos fabricantes de vinhos e para também supervisionar o carregamento dos navios.

Foi neste ambiente agrícola que Lucien e Catherine Camus se encontraram. Casaram-se em 1909, nasceu Lucien, o primeiro filho em 1910 e Albert, o segundo em 1913.

Albert Camus sempre foi um escritor muito polêmico, daí o interesse que suscita naqueles que procuram desvendar o mistério da existência.Rejeitado pela direita, rejeitado pela esquerda, proibido durante anos pelos colégios católicos da França, Camus continua hoje como um dos autores mais lidos e editados do seu país. Não é também gratuitamente que hoje estudiosos, universitários ou não, de todo o mundo, ainda dedicam estudos e teses sobre a obra e o homem.

Albert Camus é um dos representantes de uma geração de escritores oriundos de um dos períodos mais turbulentos da História da Civilização, que é a fase entre as duas grandes guerras.

Para Camus a preocupação principal foi a de reencontrar o homem em sua dimensão primitiva. Sua obra traduz o seu humanismo existencial que não tem nada a ver, como ele próprio afirmou, com a filosofia existencialista. O humanismo camusiano também não tem nada com o espiritualismo, nem com o materialismo, mas sim com o intuito de desvendar mistérios da trajetória da existência do homem.

No prefácio de L`Envers et L`Endroit, que segundo o próprio Camus é a fonte constante de toda a sua obra, há a afirmativa “...eu fui colocado entre a miséria e o sol . A miséria me impediu de acreditar que tudo está bem sob o sol e na história; o sol me ensinou que a história não é tudo. Mudar a vida , sim, mas não o mundo que eu fazia minha divindade”.

Para Camus nada se interpõe entre o homem e o mundo. Nem dinheiro, nem religião, nem ideologia. A liberdade pressupõe a felicidade. Daí surgem Mersault e Meursault e tantos outros personagens tão “estranhos”.

Não sei se seria conveniente começar aqui dizendo que L`Étranger é o seu melhor livro. Creio que o melhor de Camus é toda a sua obra. L`Étranger materializa a teoria do absurdo que tão bem foi explicada em Le Mythe de Sisyphe. O principal é entender que o homem sempre foi um enigma diante do universo. Assim foi e assim será.

L’Étranger é uma obra absurda, cujo personagem principal, Meursault percorre as etapas que norteiam o Mythe de Sisyphe. L`Étranger apareceu antes de Le Mythe de Sisyphe, porém ele é uma ilustração desta obra. A vida de Meursault não tem sentido, eis aí o tema central do romance. Ela se desenrola mecanicamente. Não tem objetivo. Comer, dormir, beber. Tudo rotina. Nada o comove. “Para mim tanto faz” repetia Meursault.

O próprio Camus explicou que o Mythe de Sisyphe é provisório. Neste livro Camus colocou a questão do suicídio em relação ao sentido da vida. Porém Camus nega que o suicídio seja a solução para o não sentido da mesma. A noção do absurdo nasce de forma inesperada. “Ao dobrar uma rua”. O absurdo é consequência da visão do mecânico. “levantar, bonde, quatro horas de escritório ou de fábrica, refeição, bonde, quatro horas de trabalho, refeição, sono e segunda-feira, terça-feira, quarta-feira, quinta-feira, sexta-feira e sábado com o mesmo ritmo, este caminho se segue livremente a maior parte do tempo”. Segundo Camus o absurdo nasce deste confronto entre a consciência e o silêncio que o mundo encerra. O absurdo consiste em uma profunda crise existencial, cuja manifestação pode ocorrer em qualquer lugar e a qualquer momento. O homem sente a sua presença, mas não o explica. O absurdo surge de forma muito pessoal e diante deste sentimento apenas uma certeza é matemática, a da morte. Dela o homem não pode fugir. Embora dela ele não tenha experiência, mas ele tem a certeza de sua existência. Então é quando ele conclui que a vida é vã e inútil. E se ela é desnecessária a solução seria o suicídio.

O mundo não é absurdo, mas sim este divórcio entre ele e o homem. Como o absurdo nasce da consciência, não tem lógica o suicídio. Se o homem absurdo se suicida, ele deixa de sê-lo, pois com a sua morte acaba o desencontro homem-mundo. É preciso viver para manter vivo o sentimento do absurdo. Daí, o herói absurdo mergulha na esperança, que embora não seja uma resposta ao conflito com o mundo, faz com que ele viva sem desesperar. Entretanto a esperança não resolve o problema do homem absurdo porque seu percurso é breve. Ela é uma solução indefinida, e que priva a consciência de sua apreensão. Assim como o suicídio, ela não resolve o problema do homem absurdo. Camus propõe então a solução da revolta. O homem absurdo tem que ser consciente e despertar para sua condição. O homem revoltado mostra o homem confrontado com a sua obscuridade. A revolta é dirigida em direção ao absurdo. É uma forma de lançar a consciência contra ele. O homem revoltado contra sua condição de absurdo é um homem lúcido e corajoso.

O pensamento de Camus está preocupado com o dualismo que a vida nos apresenta em todas as suas formas, nos trazendo diante do contraditório para que procuremos respostas diante de questões temáticas como a vida e a morte, o amor e o ódio, a indiferença e a solidariedade, a miséria e a justiça, e dentre outras mais. A obra de Camus mostra a preocupação do escritor com o relacionamento homem-mundo.

Muito difícil é rotular Camus. Filósofo, romancista, dramaturgo, jormalista, diretor e ator de teatro, poeta, humanista, moralista,...enfim um homem que viveu com seu tempo, que testemunhou, que lutou e que morreu vítima do ABSURDO (um brutal acidente de automóvel), em 04 de JANEIRO de 1960.

Ensaio de Lucilo Varejão Neto

NA REDE PODE

A admiração de todos pelo Padre Chaves só era comparável àquela que os fiéis têm por Padre Cícero. Era um santo homem que abria todas as portas da Salvação. Paciente, caloroso e mais que tudo, muito dado. Beijava todas as paroquianas sem exceção. Apertava as mãos e abraçava os homens. Distribuía sorrisos e brincadeiras com as crianças. Aos domingos, após a missa, era visto na praça da Igreja a passear rodeado por muitos. Cumprimentava os velhos que faziam roda na Farmácia. Soltava indiretas quando passava pelos jogos de dominó. “O jogo é um vício!”, dizia. Nunca voltava para a Casa Paroquial sem levar presentes: um bom vinho, uma galinha gorda, queijos e até velas para a Santa.

O Padre Chaves era modesto. Passava a maior parte do tempo em casa. Notava-se, pela vidraça, que a televisão ficava ligada noite adentro. Era um típico homem de interior. Diziam que só dormia em rede. Era um hábito.

A Casa Paroquial tinha um grande terraço em frente. Ficava ao lado da Igreja e o Padre Chaves às vezes era visto fazendo a sesta, sem se incomodar com os vizinhos que passavam pela calçada. A casa era pequena, mas suficiente para o Padre Chaves e sua prima Lili. Sim, Lili morava com ele já há alguns meses. No começo, houve insinuações e suspeitas, mas todos terminaram aceitando que finalmente o Padre Chaves precisava de uma parenta para cuidar da casa. Lili era esbelta e atraente. Quando ia à feira, não poupava aos homens alguns comentários. Mas tudo parava por aí. Ela era uma mulher séria e que comungava todos os dias. Depois, com a ajuda de algumas beatas, arrumava a Igreja até a hora de fechá-la. Assim era a rotina. Às vezes, criticavam até que, ela sozinha, mantinha a Casa Paroquial enquanto o Padre Chaves dormia em sua rede.

Certa manhã, uma multidão começou a se formar diante da Igreja. As mulheres rezando o terço. Os homens gritando pelo Padre Chaves. Nunca houve tamanha algazarra. Todos estavam revoltados com a atitude do Padre. É que ele, agora, resolvera não mais dormir em rede e acabara de receber uma cama de casal.

Conto de Lucilo Varejão Neto

50 ANOS DE MORTE DO ESCRITOR ALBERT CAMUS


O Presidente da Academia Pernambucana de Letras Waldênio Porto e a Acadêmica Fátima Quintas convidam aos interessados para a palestra Revivendo Camus, proferida pelo Acadêmico Lucilo Varejão Neto, Presidente da Academia Recifense de Letras, em homenagem à passagem dos 50 anos de morte do Escritor Albert Camus.

Local: Academia Pernambucana de Letras.

Dia: 14 de junho de 2010.

Hora: 16:00.

REUNIÕES

As reuniões ordinárias da Academia recifense de Letras são mensais e ocorrem nas terceiras quintas-feiras de cada mês, iniciando-se às 17 horas, e são realizadas nas instalações da academia Pernambucana de Letras – APL, na Av. Rui Barbosa, 1596 – Graças – recife – PE – Fone: (81) 3268.2211.

1ª Reunião: 18 de março

2ª Reunião: 15 de abril

3ª Reunião: 20 de maio

4ª Reunião: 17 de junho

5ª Reunião: 15 de julho

6ª Reunião: 19 de agosto

7ª Reunião: 16 de setembro

8ª Reunião: 21 de outubro

9ª Reunião: 18 de novembro

Reunião de Confraternização: a combinar

ACADÊMICOS

Adiuza Vieira Belo: Cadeira de nº 33

Alvacir Raposo Filho: Cadeira de nº 40

Amaury Siqueira Medeiros: Cadeira de nº 27

Ana Maria César: Cadeira de nº 12

Ana Maria Ivo do Monte: Cadeira de nº 17

Arthur Carvalho: Cadeira de nº 39

Carlos Bezerra Cavalcanti: Cadeira de nº 16

Carlos Severiano Cavalcanti: Cadeira e nº 05

Cássio Cavalcante: Cadeira de nº 01

Cloves Marques: Cadeira de nº 10

Dirceu Rabelo de Vasconcelos: Cadeira de nº 04

Djalma Costa Viana: Cadeira de nº 14

Djanira Silva: Cadeira de nº 13

Edmundo Machado Ferraz: Cadeira de nº 20

Edvaldo Arlego: Cadeira de nº 08

Efren de Aguiar Maranhão: Cadeira de nº 26

Esther Sterenberg: Cadeira de nº 30

Fátima Quintas: Cadeira de nº 07

Fernando Antonio Gonçalves: Cadeira de nº 25

Flávio Chaves: Cadeira de nº 32

Gentil Porto: Cadeira de nº 25

Geraldo José Marques Pereira: Cadeira de nº 31

Itamar de Abreu Vasconcelos: Cadeira de nº 34

José Arlindo Gomes de Sá: Cadeira de nº 19

José Carlos Xavier de Almeida: Cadeira de nº 02

José Luis Mota Menezes: Cadeira de nº 18

Leny de Amorim Silva: Cadeira de nº 11

Lourdes Nicácio: Cadeira de nº 38

Lourdes Sarmento: Cadeira de nº 28

Lucilo Varejão Neto: Cadeira de nº 06

Lúcio Ferreira: Cadeira de nº 03

Marcos Gomes Cordeiro: Cadeira de nº 21

Maria do Céu Vasconcelos: Cadeira de nº 09

Odile Cantinho: Cadeira de nº 22

Olimpio Bonald Neto: Cadeira de nº 36

Oserias Reno de Gouveia: Cadeira de nº 24

Rostand Paraíso: Cadeira de nº 29

Samuel da Silva Valente: Cadeira de nº 15

Sebastião Vilanova: Cadeira de nº 37

Vital Corrêa de Araújo: Cadeira de nº 23



Membro Benemérito

Sizenando Távora

DIRETORIA ATUAL

Presidente: Lucilo Varejão Neto 
  

1º Vice-Presidente: Rostand Paraíso


2º Vice-Presidente: Maria do Céu


1º Secretária: Esther Sterenberg


2º Secretário: Carlos Severiano Cavalcanti


1ª Tesoureira: Lourdes Nicácio


2º Tesoureiro: Olimpio Bonald Neto

GALERIA DOS EX-PRESIDENTES


Edvaldo Arlego 
         

Fernando Gonçalves


Gentil Porto


Paulo Cardoso  
     

APRESENTAÇÃO

A Academia Recifense de Letras criada em 12 de março de 1996 completa 14 anos em 2010. Composta de quarenta acadêmicos, ela tem em sua maioria pessoas dedicadas as letras.

A Academia tem recebido ao longo dos anos ilustres conferencistas e palestrantes que abordam temas variados, que passam pela literatura escrita em Pernambuco, no Brasil e no mundo. Também são numerosas as visitas de escritores não filiados e de admiradores das letras que abrilhantam suas reuniões.

A Academia recifense de Letras é uma casa aberta a todos que prezam pela Cultura. Suas sessões mensais têm se realizado graças ao apoio da Academia Pernambucana de Letras. Leia-se Escritor Waldênio Porto, que tem acolhido sua congênere dentro do espírito de solidariedade e valorização da Literatura feita em Pernambuco.

Com pouco mais de uma década de vida, a ARL já é um marco local, pois a rica produção de livros de seus membros já justifica sua existência.

Esperamos que a Academia Recifense de Letras continue honrando seu nome e contando com a presença de seus membros em suas sessões mensais.



Lucilo Varejão Neto

Presidente da ARL